Você já parou para pensar que, historicamente, o fim de um período não segue – necessariamente – a divisão cronológica do tempo? Além disso, você já cogitou o fato de que a pandemia do Coronavírus, que estamos vivenciando, pode representar – efetivamente – o fim de uma era?
Voltando um pouco no tempo…
Para início de conversa, podemos utilizar a reflexão do historiador britânico Eric Hobsbawm (1917 – 2012) que não considerava o ano de 1900 como o último do século XIX, mas sim, a data que marcou o término da Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Dessa forma, esse pensador sugeriu que o referido evento histórico tenha sinalizado o fim de uma era, pois até a eclosão da Grande Guerra, como foi chamada no período, o mundo ainda vivia com as mesmas visões, crenças e hábitos do século anterior.
Acreditando no darwinismo social, hierarquização das raças, práticas imperialistas ao redor do globo, além de uma visão da ciência, indústria e tecnologia como os únicos caminhos para o progresso da humanidade, o mundo, ou pelo menos os que sustentavam essa visão eurocêntrica, viu ruir todas essas perspectivas com a eclosão da guerra. Ela teve proporções nunca vistas antes pela humanidade em um conflito. Isso ocorreu devido aos armamentos utilizados, cada vez mais tecnológicos e letais, pelo número de mortos – cerca de 10 milhões – e pelos traumas sociais e psicológicos causados. A geração que nasceu antes da guerra e viveu o conflito saiu deste sem acreditar em uma perspectiva de futuro.
Todavia, o “amanhã” chegou, de forma diferente do século XIX, mas chegou! Se os que vivenciaram a Primeira Guerra não conseguiam vislumbrar novas perspectivas, nós, que estamos em pleno ano de 2020, sabemos que o “futuro” daquela geração existiu e se configurou de forma distinta. Marcado por novas visões de mundo, novos e maiores conflitos, como a Segunda Guerra e a Guerra Fria, o século XX se desenrolou por meio da reconfiguração das sociedades. Mesmo que individualmente possamos ter um olhar pesaroso sobre esse século, que continuou e talvez aprofundou os conflitos mundiais e tantos outros problemas, uma perspectiva histórica nos mostra que a forma como vivemos é feita de mudanças. A história não é estática, para o bem ou para o mal, ela é um caminhar que nos permite traçar novos percursos.
Mas, afinal, de que forma o tempo presente e a pandemia entram nessa história?
Se entendemos que o fim de uma “era” pode ser definido, historicamente, por eventos que geram rupturas das características anteriores, como vimos com a Primeira Guerra e o século XIX, talvez possamos fazer o mesmo exercício de pensar o momento atual como fim do século XX.
Alguns estudiosos, como a historiadora e antropóloga brasileira Lilia Schwarcz, têm refletido sobre a Pandemia do Coronavírus como um possível marco do fim do século XX. Sim, em pleno ano de 2020, talvez estejamos vivendo sob as mesmas perspectivas das várias décadas anteriores, como o intenso desenvolvimento tecnológico e informacional e a crença em um mundo e pessoas totalmente conectadas por redes e meios de transportes, que constituem uma grande “aldeia global”.
Apesar de muitas gerações estarem vivenciando esse momento histórico traumático da Pandemia do Coronavírus e nunca terem vivido nenhum outro dessa proporção, um olhar a longo prazo nos conta sobre vários eventos semelhantes. Além da própria Primeira Guerra e outros conflitos armados, também já enfrentamos pandemias ao longo da história, como a Peste Negra, no período Medieval, e a própria Gripe Espanhola, em 1918. Esta, inclusive, teve sua propagação mundial diretamente relacionada à Primeira Guerra e alcançou vastas regiões do Planeta, incluindo o município de Belo Horizonte. Assim, esse olhar histórico nos faz compreender que as pandemias integram a história da humanidade e não apenas a nossa experiência recente.
Dessa forma, quando olhamos para trás, vemos que mesmo com eventos traumáticos e momentos de descrença no que há por vir, a história continua a transcorrer e o futuro se constitui. Momentos de crise geram angústia e temor, porém eles podem contribuir para que ocorram recomeços. Ademais, no nosso cenário atual, é pouco provável que as coisas continuem da mesma forma, uma vez que a política do distanciamento social, aplicada em escala planetária, obrigou a humanidade a parar e a refletir sobre suas ações. Assim, a partir de tudo que estamos vivendo, vamos olhar para o nosso futuro e, em vez de nos apegarmos à desesperança, que tal pensarmos qual futuro queremos construir? Pela perspectiva histórica, a gente sabe que o “amanhã” virá. Então, que tal começarmos a construí-lo da melhor maneira possível? Que tal repensarmos nossos valores individuais e sociais, nossas relações com o planeta, nossos modelos de produção e de consumo, nossos relacionamentos com o próximo, entre outros! Os aspectos para serem transformados existem aos milhares! Então, comecemos a refletir sobre como a sociedade sairá deste momento pandêmico. E como queremos viver no pós-pandemia?!
Referências bibliográficas:
- HOBSBAWN E. J. A era dos extremos – o breve século XX (1914 – 1991). 2 ed. Trad. Marcos Santarrita. SP: Companhia das Letras, 1995.
- Schwarcz, L. 100 dias que mudaram o mundo (Entrevista concedida a) Camila Brandalise e Andressa Rovani. UOL. Disponível em: https://www.uol.com.br/universa/reportagens-especiais/coronavirus-100-dias-que-mudaram-o-mundo/#100-dias-que-mudaram-o-mundo. Acesso em 01.06.2020.
- Schwarcz, L. Lições da Gripe Espanhola. 2020 (3m55seg). Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=qtllSx_gN9w>. Acesso em: 01 de junho de 2020.
- Schwarcz, L. O século 21 só começa depois da pandemia. 2020 (5m38seg). Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=dXHnwrT9asg>. Acesso em: 01 de junho de 2020.